PARCERIA RURAL

PARCERIA RURAL

 

O instituto da parceria rural já é antigo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo tratado desde o Código Civil de 1916. A temática somente foi tratada posteriormente na Lei n° 4.505/64 (Estatuto da Terra), no Decreto n° 59.666/66, que disciplina de forma geral os contratos agrários e inseriu no Estatuto da Terra as disposições acerca o tema. Mais recentemente, na Lei n° 11.443/07, que alterou alguns dispositivos do próprio Estatuto da Terra. Destaque-se ainda que, subsidiariamente, aplica-se também o Código Civil de 2002 às referidas relações.

O que é?

De acordo a definição do parágrafo primeiro do artigo 96 do Estatuto da Terra, a parceria rural é o contrato pelo qual o proprietário, possuidor ou enfiteuta (parceiro-outorgante) de um imóvel rural, se obriga a ceder para outra pessoa (parceiro-outorgado), o uso específico deste imóvel, podendo incluir ou não o uso de bens e benfeitorias que o compõem, com o objetivo específico de ser nele exercido atividade agrícola (exploração vegetal), pecuária (ex. criação de gado), agroindustrial (em que há a transformação do produto natural em um produto industrial), extrativa (ex. cultivo de seringueiras para a extração do látex) ou mista (quando abrange mais de um tipo de parceria). Isso se dará mediante a partilha dos riscos, ou seja, do caso fortuito, força maior e da variação dos preços dos frutos obtidos com a exploração rural, bem como dos lucros da atividade.

Abaixo, listamos alguns detalhes que merecem atenção no contrato de parceria rural:

1- As quotas de cada parceiro:

A autonomia contratual é reduzida no campo do contrato de parceria rural. Isso, pois o próprio Estatuto da Terra limita as quotas-parte de cada parceiro, a fim de proteger aquele que é o hipossuficiente nesta relação: o pequeno produtor, o parceiro-outorgado. Dessarte, no inciso VI do art. 96 do Estatuto, o legislador determina a quota-parte a ser recebida pelo parceiro-outorgante (aquele que está cedendo o uso do imóvel) da seguinte forma:

VI – na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua;

b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada;

c)  30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia;

d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;

e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria;

f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido;

g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro;

Quanto mais facilidades e benfeitorias fornecer o parceiro-outorgante, maior será a sua participação nos frutos. Com relação às benfeitorias, o rol trazido na lei é meramente exemplificativo, podendo ser ajustado entre as partes outras facilidades ou bens oferecidos que justifiquem a quota do parceiro-outorgante. Inclusive, nesse mesmo sentido, é que se permite que o parceiro-outorgante fixe uma quota adicional que não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor dos bens postos à disposição do parceiro-outorgado.

A Lei n° 11.443/2007 também trouxe a possibilidade dos parceiros fixarem previamente, em quantidade (p. ex. os frutos colhidos na parceria agrícola) ou volume (p. ex. o látex extraído da seringueira na parceria extrativa), o montante da participação do parceiro-outorgante, desde que seja realizado o ajustamento do percentual devido, de acordo com a produção, ao final do contrato, sem que seja descaracterizada a parceria rural. Contudo, isso não dá às partes o direito de dispor dos frutos antes de que se seja efetivada a partilha: os frutos apenas integrarão o patrimônio dos parceiros após a realização da partilha, a qual deverá ser previamente avisada, sob pena do parceiro-outorgante exigir a prestação de contas através de ação judicial (art. 550, CPC) e do parceiro-outorgado responder por perdas e danos.

2- Despesas:

O inciso VIII do art. 96 do Estatuto da terra possibilita ao parceiro-outorgante que cobre do parceiro-outorgado o valor de mercado dos inseticidas e fertilizantes, com base na porcentagem correspondente à parceria. Alguns especialistas entendem que os parceiros podem dispor da forma que quiserem com relação a estes custos, desde que não haja a cobrança do valor total por parte do parceiro-outorgante. Também, não há nenhuma vedação para que o parceiro-outorgante seja exclusivamente responsável pelo custeio destas despesas.

Inclusive, aqui, com o mais devido respeito, pode-se fazer uma crítica aos legisladores desta lei, pois, embora haja a menção aos riscos e lucros da produção rural, há o silêncio acerca das demais despesas e investimentos que envolvem a atividade. Assim sendo, há especialistas no tema que defendem o uso complementar do rol de despesas e investimentos trazidos pela Instrução Normativa n° 83/2001 da Secretaria da Receita Federal para balizar o cálculo das quotas partes dos parceiros.

De toda sorte, ainda que os parceiros convencionem a partilha de forma diversa ao disposta no Estatuto da Terra, pode o parceiro prejudicado pleitear a partilha em juízo, pedindo o depósito judicial da quota que entende ser de direito. Neste caso, todos os custos processuais correrão por conta do parceiro faltante (art. 234, Código Civil), caso a decisão lhe seja desfavorável.

3 – Prazo:

Deverá constar no contrato de parceria o seu prazo de duração, sendo o mínimo legal de 3 (três) anos, sendo assegurado ao parceiro a sua permanência até o final da colheita pendente (art. 96, I, Estatuto da Terra).

4- Forma de extinção ou rescisão do contrato:

Os parceiros também devem convencionar as formas de extinção ou rescisão do contrato de parceria, podendo aproveitar, no que couber, as formas de extinção do arrendamento rural dispostas no art. 26 do Decreto n° 59.566/66.

5- Moradia do parceiro-outorgado no imóvel:

Há também a possibilidade do parceiro-outorgado e sua família residirem no imóvel rural. Neste caso, o contrato poderá ser cumprido pelos herdeiros do parceiro-outorgado e, por conseguinte, a morte não ensejaria a extinção do contrato. Podem também as partes, caso desejarem, firmarem um novo contrato de parceria rural, acaso o parceiro-outorgante não desejar explorar a terra por conta própria (art. 96, II, Estatuto da Terra).

6- Direitos e deveres:

Os parceiros podem estabelecer um rol mínimo de direitos e deveres, relacionadas com as benfeitorias feitas com consentimento do parceiro-outorgante, danos provocados pelo parceiro-outorgado na área de exploração ou nos bens postos à sua disposição, dentre outros. Tudo conforme o art. 13 do Decreto n° 59.666/66.

Cuidado com a falsa parceria rural!

Há também a preocupação legislativa com eventual falsa parceria rural. Ela se dá quando as partes tentam mascarar uma relação empregatícia, e tudo o que a caracteriza (subordinação, habitualidade, pessoalidade, onerosidade e alteridade), com o contrato de parceria rural. Nesse sentido, dispõe o parágrafo quarto do art. 96 do Estatuto da Terra, incluído pela Lei n° 11.443/2007:

§ 4o  Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte em percentual na lavoura cultivada ou em gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário mínimo no cômputo das 2 (duas) parcelas.

Cabe ressaltar que na constância da parceria não há subordinação ou controle da execução do trabalho entre as partes, mas sim uma verdadeira sociedade, visto que ambos respondem pelas perdas da atividade rural. Nessa toada, pode o parceiro-outorgado até mesmo empregar trabalhadores rurais ou contratar prestadores de serviços para a realização de atividades no imóvel. Cabe, então, às partes, no momento da confecção do contrato, convencionarem sobre a responsabilidade trabalhista, caso haja, e se haverá partilha ou não dos custos da empreitada. Também não há na parceria o pagamento de um valor mínimo, pois, como já dito anteriormente, as partes só podem contar com o fruto da parceria após a realização de sua partilha, seguindo as quotas pré-estipuladas na legislação.

Caso seja configurada a falsa parceria rural e, portanto, a existência de vínculo empregatício entre as partes, implicar-se-á a observação da Consolidação de Leis do Trabalho (Decreto n° 5.452/1943) e apreciação da lide pela Justiça do Trabalho. Nesse sentido, veja a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PARCERIA RURAL. PRODUÇÃO AVÍCOLA. CONTRATO AGROCIVIL. EXTINÇÃO DO VÍNCULO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. PARCEIRO OUTORGADO. MANUTENÇÃO COMO BENEFICIÁRIO. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ÂNIMO SOCIETÁRIO. DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO. DESCARACTERIZAÇÃO.

(…)

3. A natureza da parceria rural é de cunho agrocivil (e não trabalhista), ainda que haja a descaracterização para contrato de integração vertical, pois predomina em ambos o ânimo societário, constituindo os contratantes um vínculo profissional com o intuito de gerar riquezas, compartilhando riscos e lucros do negócio jurídico, a afastar qualquer relação de emprego (art. 96, VI, do Estatuto da Terra).

4. É certo que podem existir fraudes e falsas parcerias rurais, mas a presença, ou não, por exemplo, de pessoalidade na prestação dos serviços, de poder diretivo e disciplinador da empresa quanto às atividades prestadas pelo parceiro outorgado (subordinação) e do dever de contraprestação remuneratória mínima independentemente do resultado do empreendimento, devem ser objeto de discussão na Justiça do Trabalho, competente para identificar a existência de vínculo empregatício.

(…)

8. Recurso especial não provido.

(REsp 1541045/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015)

Parceria rural x Arrendamento rural:

Por fim, cabe realizar a distinção entre a parceria rural e o arrendamento rural, outro instituto clássico do Direito Agrário. Embora compartilham uma série de disposições legais, é clara a diferença entre eles. Enquanto a parceria se assemelha a uma sociedade, o arrendamento se assemelha uma locação: nele, as partes fixam uma valor fixo (retribuição ou aluguel), também limitado por lei, para a cessão do uso e gozo do imóvel rural. Na parceria há o compartilhamento dos riscos e prejuízos da exploração rural, enquanto que, no arrendamento, o arrendatário (aquele que fará uso do imóvel), arca sozinho com os riscos e prejuízos.

Em suma, em uma região onde ainda há intensa exploração agropecuária, como é a região sudoeste da Bahia, é de primordial importância saber as possibilidades oferecidas pela legislação nacional, bem como contar com uma equipe especializada para adequar a norma abstrata a realidade do pequeno, médio e grande produtor rural, a fim de construir um contrato que melhor aproveite aos seus interesses.

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