IMPACTO DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS
A Lei nº 13.709/2018 ocasionou grande debate público nos últimos meses. Para quem não sabe, a referida lei é a Lei Geral de Proteção de Dados, comumente denominada apenas como LGPD.
Esta nova lei acarreta muitos impactos na esfera jurídica de diversas relações que já existem e que passarão a existir – quer seja entre empresas, pessoas naturais, órgãos ou entes públicos de todas as esferas.
Por razões óbvias, a LGPD também influenciará em relações jurídicas extremamente presentes no dia-a-dia das pessoas, quais sejam, as relações de trabalho, com destaque especial para aquelas mantidas entre empregado/empregador.
BREVE HISTÓRICO LEGAL
Até o advento da Lei Geral de Proteção de Dados, não havia na legislação brasileira disposições diretas e concentradas sobre dados pessoais. Apenas alguns dispositivos constitucionais e legais indiretos tratavam sobre o tema.
Na Constituição Federal, podemos citar no rol de direitos fundamentais a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X, CF/88) e a inviolabilidade do sigilo de correspondência, comunicações telegráficas, proteção de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII).
Já no Código Civil, tem-se as disposições sobre a divulgação de escritos, transmissão da palavra, ou a publicação, exposição e utilização da imagem de uma pessoa (art. 20, caput, CC/02), além da inviolabilidade da vida privada da pessoa natural (art. 21).
Ademais, de forma mais direta e incisiva, mas ainda incompleta, há também a Lei nº 12.965/2014, conhecida popularmente como Marco Civil da Internet, que estipulou a proteção de dados pessoais como um dos princípios da disciplina de uso da internet no Brasil (art. 3º, III), bem como o não fornecimento a terceiros dos dados pessoais como um dos direitos e garantias dos usuários (art. 7º, VII), além da correta utilização destes dados (art. 7º, VIII), entre outros dispositivos.
Todavia, a Lei nº 13.709/2018 alçou o Brasil a outro patamar, inclusive em nível mundial, visto que inseriu o país no rol dos países que possuem uma regulação legal específica sobre proteção de dados. A título de exemplo dessa vanguarda normativa, cite-se a General Data Protection Regulation, editada e já aplicada pela União Europeia.
A LGPD NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS
Infelizmente, os legisladores perderam a oportunidade de incluir capítulo ou seção específica na LGPD com o fim de regular a proteção de dados pessoais nas relações trabalhistas, o que, contudo, não impede sua aplicação nesta modalidade de relação jurídica, o que pode explicar a razão de o legislador ter optado pelo silêncio nesta temática.
Isso porque a LGPD tem entre seus princípios a publicidade, a exatidão, a finalidade, o livre acesso e a segurança física e lógica.
Por publicidade, podemos entender a garantia de que um banco de dados e sua existência devem ser de conhecimento público. Já por exatidão, tem-se que as informações constantes devem ser fiéis à realidade, inclusive com possibilidade de atualização periódica. Sobre a finalidade, entende-se que os dados coletados devem ser utilizados única e exclusivamente no objetivo para o qual foram coletados. Quanto ao livre acesso, este pode ser conceituado como a segurança de que o interessado em determinado dado tenha acesso aos arquivos que o contenham, podendo até controlá-los em decorrência do princípio anterior da exatidão. Finalmente, a segurança física e lógica significa a garantia de que os dados devem ser protegidos contra acessos não autorizados, transmissões indevidas, modificações, destruições, e proteção contra perdas.
Por uma simples questão de lógica, fica evidente que, em relação aos dados que permeiam qualquer relação de trabalho, estes princípios da Lei Geral de Proteção de Dados são plenamente aplicáveis.
Como é de conhecimento público e notório, um contrato de trabalho tem seu começo (fase pré-contratual), meio (fase contratual) e fim (fase pós-contratual). Logo, necessário é analisar a LGPD sob esta ótica, isto para melhor entender sua aplicação nas relações trabalhistas.
Na fase de pré-contratual, quando um candidato a uma vaga de trabalho se apresenta perante um possível contratante, geralmente fornece alguns dados pessoais, para que a tomadora do serviço possa analisá-los como forma de melhor se informar sobre aquele potencial prestador de serviço.
Assim, fica evidente, pelos princípios da Lei nº 13.709/2018 já destacados, que, neste momento, aquele que obtém esses dados tem responsabilidade sim quanto a sua proteção, além da observância de seu uso para a finalidade para a qual foram fornecidos, ou seja, a possível celebração de um contrato de trabalho.
Na fase contratual, ou seja, durante a vigência de um vínculo, a aplicação da LGPD é evidente. Veja-se, a título de exemplo, uma simples relação de emprego. Toda e qualquer empresa que tem empregados concorrendo para a produção de riquezas possui consigo inúmeros dados pessoais desses funcionários, como RG, CPF, Carteira de Trabalho e Previdência Social, PIS, nomes de pais, filhos e dependentes, endereço etc. Assim, fica nítido que esses dados, em relação aos interessados, com o advento da LGPD precisam ser públicos, corresponderem à realidade, serem utilizados para a finalidade do contrato de emprego, sendo assegurado seu livre acesso, além de terem que ser armazenados em local seguro, seja no ambiente físico em que se encontram ou de maneira virtual.
Sob outro aspecto, o colaborador também tem responsabilidade quanto à guarda de informações e dados que ele venha a ter conhecimento em decorrência da relação mantida com seu empregador. Neste ponto em específico, destaca-se a forte necessidade de se instruir claramente funcionários, empregados, trabalhadores e colaboradores acerca da existência da LGPD e da responsabilidade que eles têm por manusear e lidar com inúmeras informações e dados no seu cotidiano de atividades, inclusive com a inclusão de tais condições nos instrumentos contratuais de trabalho que venham a ser firmados.
Ainda no curso contratual, deve ser ressaltada também a criação de uma política de descarte e eliminação desses dados, enquanto política permanente dentro de uma organização, dado que muitos documentos devem ser obrigatoriamente armazenados por empresas, até para observância de prazos prescricionais, sem contar alguns deveres determinados por órgãos e repartições públicas.
Note-se, inclusive, que a depender do nível de responsabilidade do colaborador em relação ao controle e processamento desses dados, é plenamente aplicável a previsão do art. 462, § 1º, da CLT – “Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.” – caso se verifique que o erro nessa controladoria decorreu de responsabilidade do empregado encarregado de tal atividade dentro da organização empresarial.
Noutra quadra, já na fase pós-contratual, quando ocorre o término da relação de trabalho, fica evidente também a aplicação da LGPD nesta etapa. Isso porque tanto tomador quanto o prestador de trabalho detém dados de ambas as partes que, a depender do motivo do término da relação, podem ser mal utilizados, como, lamentavelmente, tem sido comum nas relações dessa natureza.
Feitas as considerações sobre as fases de qualquer relação de trabalho, é obrigatório destacar, que, no atual contexto mundial, decorrente da pandemia do SARS-CoV-2, comumente denominado “novo coronavírus”, acelerou-se, e muito, a utilização de novas tecnologias de trabalho e controle remoto dessas atividades, principalmente nas relações de trabalho, com a adoção maciça de modelos como o home office, o que acentua demasiadamente a importância da observação dos dispositivos da LGPD.
Por fim, como já lamentado, o legislador perdeu grande oportunidade ao deixar de regulamentar expressamente a aplicação da LGPD às relações trabalhistas. Contudo, pelas exposições já feitas, fica claro que, apesar disso, a LGPD será observada sim, principalmente em litígios judiciais que venham a ser apreciados na Justiça do Trabalho, pelo operadores do Direito que ali atuam – advogados, juízes ou procuradores do trabalho -, sendo indispensável a atualização empresarial quanto ao tema, o que somente é possível através de consultoria jurídica especializada no tema.
Referências:
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8,
Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Lex: coletânea de legislação: edição federal, São Paulo, v. 7, 1943.
REQUIÃO, Maurício. Covid-19 e proteção de dados pessoais: o antes, o agora e o depois. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-05/direito-civil-atualcovid-19-protecao-dados-pessoais-antes-agora-depois. Acesso em 06 de abril de 2020
MARTIS, Rafael Lara. CQuais os impactos práticos da LGPD nas relações trabalhistas?. Disponível em https:https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/quais-os-impactos-praticos-da-lgpd-nas-relacoes-trabalhistas-11092020